A.J.Orlando
Corria o ano de 1881. O ambiente espírita na cidade do Rio de Janeiro era muito conturbado com a divisão dos nascentes grupos em “místicos”, que supervalorizavam o lado religioso da Doutrina, e “científicos”, que a entendiam como ciência, filosofia e moral, gerando um cenário bastante dispersivo 1.
O ano foi marcado pelo início da perseguição oficial ao Espiritismo no dia 28 de agosto. Os periódicos cariocas O Cruzeiro e Jornal do Commercio anunciaram em suas páginas, em furo de reportagem, a ordem policial que proibiu o funcionamento da Sociedade Acadêmica Deus, Cristo e Caridade e dos centros que lhe eram filiados, tornando passíveis de sanções penais os espíritas que contrariassem as disposições policiais.
Nesse mesmo dia, a Sociedade reuniu-se em sessão extraordinária, a fim de tomar providências defensivas, caso a referida noticia fosse confirmada. Da reunião, sua Diretoria compareceu perante o Ministro da Justiça, que a recebeu com muita cordialidade, declarando que deveria ter havido algum equívoco, e que não consentiria na perseguição de ninguém.
Entretanto, no dia 30 de agosto, um Oficial de Justiça apresentou à Sociedade Acadêmica a contrafé do mandado de intimação do 2º Delegado de Polícia do Município da Corte, mandado que suspendia e vedava suas reuniões, alegando que ela não se achava legalmente constituída.
De imediato, a Diretoria da Sociedade Acadêmica expediu ofícios ao Chefe de Polícia e ao Ministro da Justiça, Conselheiro Manuel Pinto de Souza Dantas, demonstrando a arbitrariedade daquela medida. Uma comissão, da qual faziam parte o Dr. Antônio Pinheiro Guedes, Carlos Joaquim de Lima e Cirne e o Dr. Joaquim Carlos Travassos, entrou em contato com o Chefe de Policia, que, apesar de a ter recebido com amabilidade, nada resolveu, dando a entender que a ordem vinha de autoridade superior.
Quanto às perseguições, para reforçar a posição dos espíritas, no dia 6 de setembro, uma comissão foi recebida por D. Pedro II, quando lhe foi entregue um documento com minuciosa exposição dos fatos e o pedido de que se fizesse justiça. O Imperador, na ocasião teria afirmado: “Eu não consinto em perseguição”.
Duas semanas depois, no dia 21, a mesma comissão retornou ao palácio a fim de conhecer da resposta às considerações emitidas na exposição que fora entregue ao Imperador. Este afirmou que enviara os papéis ao Ministro do Império para dar solução ao caso, e tornou a afirmar, com certo ar de graça: “Ninguém os perseguirá. Mas…não queiram agora ser mártires.”
É nesse contexto que, no mesmo dia 6 de setembro de 1881, teve lugar o I Congresso Espírita no Brasil, promovido pela Sociedade Acadêmica Deus, Cristo e Caridade, o primeiro passo em prol da unificação do movimento espírita brasileiro 2. O Congresso foi realizado sob a coordenação do jornalista e professor italiano Afonso Angeli Torteroli, na cidade do Rio de Janeiro, com o objetivo de reunir e orientar as instituições espíritas existentes na capital e, se possível, no país 2. Somente sete anos depois, ocorreria o Primeiro Congresso Internacional Espiritista, em Barcelona, em 3 de setembro de 1888 3.
No Congresso, intelectuais defenderam a linha de pensamento dos “científicos”, de acordo com a onda progressista da época, uma vez que os espíritas eram, em geral, republicanos e abolicionistas.
No I Congresso foi criado o Centro da União Espírita do Brasil, a primeira instituição unificadora do movimento espírita nacional, cuja instalação oficial deu-se no dia 3 de outubro, sob a direção de Torteroli. A edição de novembro da Revista da Sociedade Acadêmica dá a relação dos grupos filiados até aquele mês 2.
A nova instituição tinha a proposta de congregar e orientar as sociedades espíritas em nível nacional.
Devido à própria insipiência do movimento e da luta ideológica que dividia os espíritas, o Centro da União acabou se desorganizando. Essa divergência foi a maior responsável pelo clima de desunião que vitimou a família espírita brasileira no Século XIX 2.
Referências:
1 Carvalho, Antonio Cesar Perri de, União dos espíritas. 1 ed. 2018. Capivari/SP: Editora EME.
2 Quintella, Mauro. História do espiritismo no Brasil.
3. Barrera, Florentino. Principais Congressos Espírita Internacionais, in Anuário Histórico Espírita. 2004. São Paulo: USE e Madras Editora.