Bezerra de Menezes e a unificação em seu primeiro mandato na FEB

Luciano Klein Filho *

Em sua primeira gestão como presidente da Federação Espírita Brasileira (FEB), em 1889, o Dr. Adolfo Bezerra de Menezes (1831-1900) esboçou, de princípio, um projeto para reunir os espíritas sob uma só bandeira. Embora já existisse a FEB, fundada em 1884, foi somente em 1889 que apareceu uma primeira instituição em condições de viabilizar as possíveis propostas para essa finalidade – o “Centro Espírita do Brasil” -, cuja gênese foi apoiada por Bezerra, presidente da FEB, naquele ano,  tido como o único capaz de suplantar as divisões existentes. Através do “Reformador”, órgão oficial da FEB, foi noticiado:

“A FEB, tendo acolhido, grata e jubilosamente várias e recentes comunicações do fundador do Espiritismo, Allan Kardec, aconselhando regular direção na propaganda e no cultivo da Doutrina, a par da maior fraternidade entre os adeptos, resolveu, para levar a efeito tão útil e elevado empreendimento, convocar um Congresso Espírita, composto das diretorias de todos os Grupos ou associações espíritas existentes nesta cidade.” [1]

A sessão inaugural desse congresso realizou- se a 31 de março, no 2º andar da Rua do Regente, nº 19, ocasião em que eram celebrados os vinte anos da desencarnação de Allan Kardec. “Reformador”, em 15 de abril de 1889, informou que a afluência do público foi numerosa, numa demonstração da boa vontade dos integrantes de várias Casas Espíritas da Corte, que ansiavam por uma melhor organização do Movimento Espírita. Bezerra expôs a finalidade daquela convocação e propôs que os Grupos, “tomando conhecimento das manifestações de Allan Kardec [2], a respeito da necessidade de uma organização, escolhessem, cada um deles, seu representante para, na próxima sessão (..), resolverem o que lhes parecer melhor, relativamente ao assunto”. Sugeriu dois planos, para serem submetidos ao estudo dos Grupos: o de “formar-se um Centro, com um membro de cada Grupo, e o de eleger, os representantes de todos os Grupos, um número limitado de espíritas, para com estes constituir-se o mesmo “Centro”.  Solicitou, ainda, que fossem analisados esses dois projetos e declarou que estaria aberto para aceitar qualquer outro convite melhor.

 A despeito de seu cansaço e do desgaste emocional, em face das provas acerbas experimentadas naquele ano[3], Bezerra aceitou assumir a presidência da FEB. À vista disso, convocou todos os Grupos, propondo fossem deixadas de lado as diferenças e interpretações particulares e se fizesse instituído o “Centro Espírita do Brasil”, onde cada Grupo teria um representante, que levaria as sínteses das discussões, constituindo-se, destarte, um movimento unificado.

O médico cearense fez o que pôde pela união dos espíritas. A 23 de maio de 1889, inaugurou, na FEB, as sessões às sextas feiras, com o estudo de O livro dos espíritos, propondo-o ao número crescente de curiosos atraídos, quase sempre, pela fenomenologia mediúnica, pelas curas ou para buscar, avidamente, a proteção de guias espirituais. O convite ao estudo e a necessidade premente de um relacionamento mais amoroso e fraternal entre os companheiros de ideal, tornou-se a tônica de suas ações.

Assoberbado, naquele ano difícil, deixou a presidência da FEB, pretendendo dedicar-se mais ao “Centro Espírita do Brasil”, cuja presidência também havia assumido, a 21 de abril de 1889.

De 1890 a 1891, Bezerra era vice-presidente da FEB, na gestão do amigo e colega Francisco de Menezes Dias da Cruz (1853-1937). Em 20 de fevereiro de 1891, aconteceu, na FEB, uma Conferência previamente anunciada. Cerca de uma hora, Bezerra dissertou sobre a organização e o método de trabalho dos Grupos Espíritas. O auditório numeroso demonstrou, por vezes, o quanto as orientações do conferencista deveriam ser refletidas. Em sua preleção, fez ponderações judiciosas, acerca da diminuição da frequência do público, no “Centro Espírita do Brasil”, atribuindo-a, entre outros motivos, à falta de estudo doutrinário (chegando a dizer que poucos haviam lido O livro dos espíritos) e a curiosidade dos participantes, tão somente interessados nos fenômenos mediúnicos.

“(…) Entre nós, são poucos os que conhecem a Doutrina do Mestre, esta é a verdade; há espíritas por conversas, que nunca leram ‘O Livro dos Espíritos’! É, sobretudo, essa falta de estudos que acarreta um mal para a Doutrina.  (…) Esquecendo-se, os Grupos, destes preceitos, pode-se dizer que quase todos pecam pela base; não me refiro somente aos nossos, mas tanto aos nacionais como aos estrangeiros. Foi por isso, sem dúvida, para uniformizar os trabalhos em todo o mundo espírita, que por todas as partes tem-se agitado a questão de federarem-se os Grupos (…)”

Em fins de 1891, contudo, observavam-se divergências internas entre os espíritas, como também ataques externos ao Espiritismo. Bezerra optou por afastar-se, durante algum tempo, mas permaneceu frequentando as sessões no “Grupo Ismael”, na FEB, e redigindo os artigos na coluna semanal “Estudos Filosóficos”, pelas páginas de O País.

Através dessa coluna hebdomadária, ele não se descurava dos empecilhos à união da família espírita. Na edição do dia de 25 de setembro de 1892, de “O País”, comunicou prosseguiria com seu “trabalho doméstico”, que interessava, “exclusivamente, aos membros da família espírita”. Reportou-se a um artigo precedente, quando demonstrara a necessidade de organização, de união, de método, “para podermos dar conta da tarefa que nos foi confiada, na obra de propagação do Espiritismo, e pelo Espiritismo da regeneração da humanidade, do progresso universal”.

Retomando a questão, no artigo em análise, de onde parara, asseverou:

“(…) Organização, união e método são condições fundamentais de toda associação humana. (…) Os espíritas têm um fim, que para todos se antolha superior a qualquer outro fim humano, porque é a expressão mais simples de todos os pensamentos, de todos os sentimentos, de toda a vida do ser racional: seu progresso até à glorificação. (…) Uma congregação espírita, ou, na linguagem vulgar, um Grupo Espírita, deve trabalhar por ser bom elemento da grande família que, espalhando luz e amor, conseguirá alargar seu círculo, até abranger toda a humanidade, conseguindo que seja feita a vontade de Deus (…)”.

Mais adiante, demonstrando estar ciente dos problemas inerentes às Casas Espíritas, exortou, uma vez mais, os espíritas, à união:

“(…) Unamo-nos, organizemo-nos, fixemos um método para nossos trabalhos; e desempenharemos nossa tarefa, salvando nossa tremenda responsabilidade, não sem grandes lutas com os inimigos visíveis e invisíveis, e principalmente com estes (…)”.

Enfatizando as divergências de pontos de vista, relativos a interpretações doutrinárias, e externando sua visão federativa, pontuou:

“(…) A união dos espíritas brasileiros (…) não é mais difícil do que a dos outros países, onde se assenta em bases sólidas. Não se exige por lá, nem se exigirá por aqui: o sacrifício de opiniões individuais sobre pontos secundários da doutrina, que ainda são controvertíveis; mas sim, perfeita conformidade a respeito dos pontos fundamentais, que chamaremos – dogmas do Espiritismo. Não se exigirá que os Grupos existentes percam sua autonomia, senão que se regulem todos pela mesma norma, traçada por um Centro constituído por eles mesmos. Organizado o trabalho, na Capital, e estabelecido método, para todos os Grupos, teremos constituído o núcleo espírita do Brasil, que procurará incorporar a si os Grupos e espíritas dos Estados; criar, onde houver elementos, novos Grupos, e estabelecer relações com os representantes do Espiritismo: sociedades e jornais das diversas nações da América e da Europa. Fica subentendido que, no pleno exercício de seu livre-arbítrio, podem Grupos e pessoas viver separados da grande união que desejamos ver realizada, como condição essencial à realização da missão dos espíritas no Brasil. Como, porém, está na consciência de todos: que tal procedimento embaraça a consecução do alto fim, e, portanto, que acarreta maior responsabilidade para os que o tiverem, estamos certos de que ninguém recusará seu concurso à união, levado por sentimentos condenáveis, perante a doutrina, e que, pelo contrário, até os abstidos e os que têm o sentimento espírita abafado,  virão  cooperar  na  obra da organização do Espiritismo no Brasil (…)”.

No parágrafo final, concluiu o texto, voluntariando-se para capitanear esse projeto unificacionista:

“Para isso, uma vez que é preciso que alguém dê movimento à máquina, seremos este alguém e, desde já, prevenimos a todos os nossos irmãos em crença que, pelos jornais, anunciaremos a reunião de todos para, em assembleia geral, discutir-se e resolver-se o que parecer melhor.”

Bezerra de Menezes assumiria, pela segunda e derradeira vez, a presidência da FEB em 1895, quando enfrentaria desafios muito maiores ao projeto de união da família espírita brasileira. Serão momentos de intensas lutas em que, por vezes, pensou em desistir, talvez meditando na expressão pronunciada pelo amigo Francisco Leite de Bittencourt Sampaio (1834-1895):

“A união vale para todos, menos para os espíritas”.

No entanto, amparado pelo Alto, não desistiu e prosseguiu enfrentando com galhardia os obstáculos encontrados.

De retorno ao Mundo Espiritual, a 11 de abril de 1900, permanece, até hoje, inspirando ações que objetivem a consecução do projeto pelo qual tanto pelejou.

[1] “Reformador”, 31 de março de 1889.

[2] A partir de 5 de fevereiro de 1889, através do médium Frederico Junior, o Espírito de Allan Kardec passou a anunciar que passaria a trazer, na sessão seguinte, algumas instruções. A longa mensagem instrutiva, conhecida como “Instruções de Allan Kardec aos Espíritas do Brasil”, abordava, de forma categórica, algumas questões propondo, por exemplo, imediato retorno e a retomada ao ideário espírita. Impressas e difundidas no meio espírita, as mensagens atribuídas a Kardec, propunham a unificação, sendo, para este propósito fundado, ainda em 1889, o mencionado “Centro Espírita do Brasil”.

[3] Em 1889, desencarnou sua filhinha Cristiana, aos nove anos, a 11 de abril e o recém-nascido João, em outubro. Também, naquele ano, ele concorreu, por duas vezes, ao Senado vitalício e, mesmo tendo uma expressiva votação, na lista tríplice com os três nomes mais votados, conforme determinava a Constituição do Império, seu nome foi preterido na escolha de Dom Pedro II. Foi, também, eleito para seu último mandato como deputado geral, pelo Partido Liberal, chegando a ser diplomado, não obstante, devido à proclamação da república, em 15 de novembro, aquela que seria a última câmara do Império teve as suas atividades suspensas.

[4] Aqui colocado no sentido de doutrina ou preceitos doutrinários.

[5] “O País, 25 de setembro de 1892.

* Luciano Klein Filho é presidente da Federação Espírita do Estado do Ceará.

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