Discursos materialistas sobre o aborto

Marco Milani*

Na conclusão de O livro dos espíritos, parte II, encontramos a afirmação de que o Espiritismo é o mais terrível antagonista do materialismo. Essa contraposição torna-se evidente ao se fundamentar os discursos sobre as mais diferentes questões.

O aborto é um dos temas que, apesar de claramente considerado nos ensinamentos dos Espíritos (ver questão LE-358, por exemplo), ainda fomenta polêmica àqueles que abraçam argumentos materialistas para defendê-lo.

A única exceção sob o ponto de vista doutrinário espírita que justificaria o aborto provocado seria quando a continuidade da gravidez colocasse a vida da mãe em risco (LE-359).

Por não acreditarem haver nada mais além da matéria e suas consequências, materialistas justificam a afirmação de que o aborto provocado é uma questão de escolha exclusiva da gestante, pois eles supõem que o ser em gestação seja parte indissociável do próprio corpo orgânico da mulher, e não exista um Espírito independente vinculado ao processo reencarnatório. Assim, o bebê nada mais seria que uma extensão do corpo da mãe.

Outra afirmação materialista é a de que o aborto é um caso de saúde pública, supondo que o ser em gestação é descartável perante o desejo maior da mãe de expulsá-lo de seu corpo servindo-se de procedimentos que não coloque a sua própria vida em risco. Sob essa narrativa, caberia ao Estado oferecer mais segurança sanitária para a expulsão do ser em gestação.

Um argumento abortista recorrente sobre esse tópico é a de que mulheres ricas estariam mais seguras para eliminar o bebê do que as pobres, então dever-se-ia, por uma questão de “justiça social”, oferecer as mesmas condições para os mais carentes.

O sacrifício dos seres que apresentem algum tipo de má-formação ou características patológicas graves é, ainda, aceitável para materialistas que vislumbram as dificuldades que serão geradas aos responsáveis para o acolhimento, gastos e cuidados necessários. Chegam a usar o discurso de que será melhor para a criança não nascer (ou seja, ser eliminada) do que viver em sofrimento, desconsiderando todas as causas espirituais que levaram a essa situação.

Longas discussões médicas e  jurídicas  marcam a determinação de quando, efetivamente, começaria a vida. Discute-se se a partir da concepção ou outras fases do desenvolvimento do corpo. Materialistas, servindo-se de malabarismos conceituais, relativizam a existência intrauterina.

Ao se inserir o elemento espiritual, amplia-se a perspectiva da análise, pois considera-se o ser reencarnante um indivíduo independente, com direito à vida (LE-880), continuando seu processo evolutivo junto àqueles que, por afinidade, participarão de sua jornada terrena. Ao proteger-se a sobrevivência do nascituro, valoriza-se a vida.

Uma das características do Espiritismo é a fé raciocinada, portanto espera-se que os seus adeptos creiam baseados em argumentos válidos e assumam posturas compatíveis com os princípios e valores doutrinários. Certamente, o nível de maturidade e compreensão desses princípios e valores variarão e refletirão nas expressões públicas e privadas de cada um.

Sobre a temática do aborto, Kardec sinaliza claramente as consequências a todos envolvidos, proporcionais ao conhecimento, intenção e responsabilidade sobre o ato. Em momento algum desconsidera-se o livre-arbítrio e, com ênfase, destaca o mérito daqueles que superam as mais dolorosas situações para preservar a vida.

O discurso materialista ignora o elemento mais frágil, que é o ser reencarnante. Facilitar o aborto não resolverá, certamente, o problema, nem do bebê que teve a vida ceifada, nem da mãe e outros responsáveis diretos e indiretos, que arcarão com as consequências espirituais do ato. Enfim, são visões de realidade diferente. Estariam os Espíritos equivocados ao afirmarem que o aborto provocado é um crime?

Cabe à casa espírita receber, amparar e não julgar as mulheres que experimentaram situações abortivas ou estão pensando em interromper a gestão, incentivando-as à valorização da vida pelo esclarecimento seguro e fraterno sobre o processo reencarnatório e as responsabilidades de todos nós perante a própria consciência.

Ao desvendar a realidade espiritual junto às Leis Naturais, o Espiritismo consola e liberta o indivíduo dos grilhões da ignorância e o conduz à certeza de uma vida futura mais feliz em decorrência da coragem de seus atos equilibrados no presente, ainda que envoltos em dificuldades e dores que são apenas temporárias perante a infinitude da vida.

* Marco Milani é Diretor do Departamento de Doutrina da USE SP.

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