A responsabilidade que nos compete

Marcelo Uchôa

Há algum tempo, tomando de uma apostila universitária para o estudo da disciplina “Interpretação e Produção de Texto”, nos deparamos com o seguinte enunciado: “Quando a máquina apitar, retire toda a roupa”. Após o enunciado, uma pessoa, ao ler o texto, começou a despir-se…

Tomemos um outro exemplo na mesma direção. Você está andando pela rua e, de repente, vê um carro muito velho passando e lê assim escrito no vidro traseiro deste mesmo carro: “Deus é fiel”. Logo abaixo há outro texto: “Porque para Deus nada é impossível!”. Poderíamos buscar, das várias interpretações suscitadas pelo texto, que seria muito difícil, para aquela pessoa, vender aquele carro, entretanto, com a ajuda Deus, lograria êxito.

Buscando ampliar a noção de texto, há o entendimento da linguagem. Esta é uma espécie de código, essencial na materialização do sentido da mensagem, da comunicação, sendo mesmo uma necessidade humana.

Podemos entender como linguagem todo sistema de signos compartilhados entre emissor(es) e receptor(es) de modo a ocorrer a comunicação. Assim, a escolha das palavras pode alterar, significativamente, a percepção da mensagem. Isso acontece com palavras sinônimas, semelhantes, mas que, pelo uso, acabam possuindo significados diferentes.

Vejamos mais um exemplo na mesma direção: “Ela assistiu ao doente”. Aqui, o verbo assistir está relacionado ao ato de dar assistência, de amparar, cuidar, proteger, entretanto, podemos construir um outro texto, com a mesma palavra, mas com outro enfoque. Vejamos: “Ela assistiu o filme.”. Neste instante o verbo assistir está no sentido de ver.

Assim, no estudo da literatura depreendemos que é possível compreender um texto e, ainda assim, não sermos capazes de interpretá-lo. A interpretação de um texto, dentre os muitos elementos envolvidos, diz da nossa capacidade de perceber como este texto foi construído, concebido, e qual o efeito de sentido que deve provocar em nós.

Os dias hodiernos estão cheios de textos, de signos e de sinais. São como placas de trânsito, indicando a velocidade, a direção e o sentido. Contudo, cabe a nós o imperioso exercício da interpretação.

Tomemos  agora  a mensagem do Alto e vejamos o enunciado, muito bem arranjado pelo mestre de Lyon, no Evangelho Segundo o Espiritismo, capítulo 20 item 4:

“Não escutais já o ruído da tempestade que há de arrebatar o velho mundo e abismar no nada o conjunto das iniquidades terrenas? Ah! bendizei o Senhor, vós que haveis posto a vossa fé na sua soberana justiça e que, novos apóstolos da crença revelada pelas proféticas vozes superiores, ides pregar o novo dogma da reencarnação e da elevação dos Espíritos, conforme tenham cumprido, bem ou mal, suas missões e suportado suas provas terrestres.”.

A mensagem está na forma imperativa. Convida a todos a acuradas reflexões sobre o papel do Espírita diante do inexorável patrimônio chamado Reencarnação. Neste aspecto, o papel do dirigente espírita toma contornos belíssimos, responsabilidades diferenciadas para melhor e alinhamento estratégico com o Plano Superior.

Os dias hodiernos têm dado ao homem no século 21 enormes desafios, todavia, os maiores são mesmo os de ordem endógena, os de dentro, os desafios da alma, como nos revela o mesmo texto um pouco mais adiante:

“(…)mais pesados do que as maiores montanhas, jazem depositados nos corações dos homens a impureza e todos os vícios que derivam da impureza.”

Há aí o desafio no cuidado com a alma humana, e é neste instante que a Casa Espírita, conceituada por Joanna de Ângelis como sendo a “célula máter da nova sociedade”, ganha papel fundamental. Desta forma, cabe a nós, dirigentes de instituições espíritas, lideranças dos órgãos de unificação do estado de São Paulo, e em última instância, a cada espírita, ações na direção do cuidado, do amparo, do esclarecimento e da boa convivência.

No estudo da História da Filosofia encontramos o pensamento de um pré-socrático, Heráclito de Éfeso (540-470 a.C.), que produziu a reflexão de que:

“O conhecimento sensível é enganador e que deve ser superado pela razão.”

Nos tempos obscuros da Idade Média, alguns de nós queimávamos pessoas em praças públicas, motivados por sentimentos antagônicos e arbitrários de amor a Deus, constituindo um enorme paradoxo.

Por este motivo, Allan Kardec vai colocar, na contracapa da obra O evangelho segundo o espiritismo, a coerente exortação:

“Fé inabalável só o é a que pode encarar frente a frente a razão, em todas as épocas da Humanidade.”

Temos (alguns de nós) encontrado mais tempo em nossas agendas. O tempo destinado ao deslocamento até o trabalho, motivado pela necessidade de reclusão social, foi substituído para o ampliar de nossa convivência familiar, melhorando nossa reflexão diante dos desafios do mundo. Também nos forneceu mais tempo para o estudo.

Entretanto, atenção! Este não é o tempo ocioso no sentido vulgar da palavra. A palavra ócio vem do grego skholê e significa tempo livre. É daí, inclusive, que vem a origem da palavra Escola. Do antônimo (contrário) desta palavra é que se origina a palavra Negócio, qual seja, a negação do ócio, em última análise, o tempo destinado ao comércio.

Utilizemos assim, de forma espiritual, o tempo de liberdade que a divindade nos concede. Não façamos comércio com o nosso tempo. Imperioso interpretemos, no texto que a divindade expõe para toda a humanidade, o que a Vida deseja falar ao nosso coração.

Assim, nada de desespero, de construção de incertezas, como se o Mundo fosse um navio a soçobrar. Ele, Jesus, está no leme da nossa Terra Gaia, da nossa mãe-escola. E a lição destes dias é o da interpretação e análise de textos. Utilizemo-la como uma escola, de verdade, aprendendo a interpretar as mensagens que nos falam da necessidade de crescer, da imperiosa necessidade de (con)viver como Espíritos imortais que somos.

Buscando agregar mais elementos à nossa reflexão, deixamos algumas das considerações do Espírito Erasto, como elementos de nossa lição interpretativa:

“Ide, pois, e levai a palavra divina: aos grandes que a desprezarão, aos eruditos que exigirão provas, aos pequenos e simples que a aceitarão; porque, principalmente entre os mártires do trabalho, desta provação terrena, encontrareis fervor e fé. Ide; estes receberão, com hinos de gratidão e louvores a Deus, a santa consolação que lhes levareis, e baixarão a fronte, rendendo-lhe graças pelas aflições que a Terra lhes destina.”

* Marcelo Uchôa é ex-Diretor do Departamento de Comunicação da USE SP.

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