Acolhimento em tempos de crise

Fernando Porto*

Vivemos um momento sui generis na história da humanidade. A pandemia e a política de isolamento social, até o presente momento sem prazo definido para acabar, pelo menos aqui no Brasil, produzirá transformações econômicas, sociais e políticas sem precedentes.

Uma das primeiras consequências é a tendência da relação do ser humano com a tecnologia sofrer uma ampliação nunca antes vista, algo que todos os dirigentes e lideranças precisarão ficar atentos, pois impactará a participação e frequência nas Casas Espíritas. Um dos questionamentos que temos feito é se haverá uma queda brusca de frequência, em razão da mudança de hábitos das pessoas, ou pelo contrário, uma procura muito grande em virtude de problemas emocionais, psicológicos e espirituais ocasionados pela crise.

Os fatores psicológicos provocados em situação de isolamento social ou confinamento já foram estudados em eventos semelhantes no passado, embora em proporções muito menores. A sensação de isolamento, a imposição obrigatória de se evitar o contato social, a falta de contato físico, principalmente em relação aos entes queridos, é um dos aspectos mais difíceis deste momento. Apesar das redes sociais, que nos permitem abrandar esse sentimento de solidão, a percepção de distância do mundo exterior é uma consequência natural e inevitável. Além disso, é preciso considerar a ansiedade oriunda da incerteza, do medo, das expectativas negativas a respeito das notícias que são veiculadas pela imprensa. 

Aprendemos com a Doutrina Espírita que o homem é um ser social, nasceu para viver em sociedade (Questões 766 a 775 de O livro dos espíritos), por isso temos a linguagem e os órgãos de comunicação mais desenvolvidos que as espécies animais. Nossas emoções são também uma forma de comunicação e de acordo como as expressamos ou não, isso se reflete em nosso corpo material e em nosso padrão mental. A recomendação é dar voz a essas emoções, estar atento às mudanças do padrão de nossos pensamentos. E então fica a pergunta: como ocupar o tempo livre e ocioso de nosso dia de modo produtivo e o menos estressante possível?

A contribuição que o Espiritismo tem a oferecer é muito grande, pelo seu poder de consolar, de gerar esperança e esclarecer sobre a nossa condição humana, em sua fragilidade, assim como a nossa imortalidade, apresentando a Divindade como um pai amoroso e justo, e que tudo ocorre de conformidade as suas leis. As mudanças no planeta, as epidemias, catástrofes naturais são contingências esperadas na dimensão física, ainda mais considerando as características de um mundo de expiação e provas como o nosso.

Mas para que essa mensagem possa chegar a todas as pessoas sedentas de um alívio moral e espiritual, faz-se indispensável que os agrupamentos espíritas se apresentem ativamente para confortar aqueles que sofrem.

A perda de entes queridos em massa no planeta, o sentimento de  desamparo  das  famílias, as dificuldades de ordem material, pela falta de recursos, são alguns dos problemas mais imediatos a que serão acometidas as pessoas. Não é aceitável que os centros espíritas simplesmente fechem suas portas e abandonem seus frequentadores, todos aqueles que são atendidos material e espiritualmente. Embora seja indispensável o respeito às autoridades sanitárias, no sentido de colaborar para a preservação da vida, isso não pode servir de justificativa para que cruzemos os braços no momento mais desafiador de nosso tempo.

Para isso é preciso estar vigilante e dar atenção às tarefas mais imediatas de assistência espiritual e material aos mais necessitados. Disponibilizar canais de comunicação para que as pessoas possam receber o acolhimento pela palavra amiga e orientadora, realizar os trabalhos de explanação evangélica e irradiação à distância, inclusive por meio dos aplicativos que permitam a comunhão de pensamentos de diversos colaboradores, são recursos inadiáveis para o momento em que vivemos.

Jesus convoca os trabalhadores da última hora para que se apresentem no campo de batalha. Vive-se uma guerra invisível e sem fronteiras e todos somos solidários na dor e no aprendizado. O apóstolo Paulo compara a divulgação da Boa Nova e sua vivência prática em suas epístolas à uma luta constante. O combatente precisa armar-se do “escudo da fé”, da “espada do Espírito” e do “capacete da salvação”. A fé e a esperança são a proteção contra os ataques do desespero e da angústia. A espada do Espírito é a mensagem do Evangelho de paz, é o consolo que o Espiritismo oferece. O capacete da salvação é a esperança de que tudo passa, o convite ao equilíbrio da mente, contra os maus pensamentos do medo que assola os corações.

Por essa razão que o empenho de cada um de nós em favor do próximo, será uma oportunidade de semear a mensagem de paz nos lares e nas famílias, preparando-nos para o grande desafio que nos aguarda no retorno de nossas atividades habituais, pois não há um só mal que perdure indefinidamente e de tudo podemos extrair o bem.

* Fernando Porto é 1º Secretário do Departamento de Assistência Espiritual no Centro Espírita.

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