A genealogia de Rivail

Charles Kempf *

Esse artigo relata alguns elementos novos sobre a genealogia de Hypolite Léon Denisard Rivail, alias Allan Kardec, codificador do espiritismo. Como escreveu o pesquisador Washington Luiz Nogueira Fernandes: “Devemos entender que essas informações biográficas sobre Allan Kardec não alteram em nada sua elevada missão de Embaixador da Nova Revelação. São somente alguns detalhes históricos.” Assim mesmo, mostram o contexto no qual essas pessoas viveram e as dificuldades que enfrentaram para cumprir sua missão.

A certidão de nascimento de H. L. D. Rivail, de 3 de outubro de 1804 (le douze vendémiaire de l’an treize), já bem conhecida, traz as informações seguintes: “filho de Jean-Baptiste Antoine Rivail, homem de lei, morando em Bourg de l’Ain [hoje Bourg-en-Bresse] e atualmente em Paris, e de Jeanne Louise Duhamel, sua esposa”, que estava “presente em Lyon, rua Sala, n° 74.”

Esse endereço correspondia a um estabelecimento de águas termais factícias [reconstituídas], dirigido por Syriaque Frédéric Dittmar, citado na certidão. A essas águas se atribuía, na época, várias virtudes curadoras, incluindo a de ajudar as mulheres que tinham dificuldades a terem filhos. Isto explica por que Jeanne Louise Duhamel se encontrava temporariamente neste estabelecimento na fase final de sua gravidez. O Dr Rodamel, também citado na certidão de nascimento, era um dos médicos trabalhando nessa casa.

O nome que consta da certidão é Denisard Hypolite Léon Rivail, mas adotaremos nesse artigo a sequência utilizada por ele mesmo nos seus múltiplos escritos.

Num artigo publicado em Reformador, abril de 2014, páginas 203 a 207, transcrevemos a certidão de casamento entre Jean-Baptiste Antoine Rivail e Jeanne Louise Duhamel, em Bourg-en-Bresse, no dia 5 de fevereiro de 1793. Moravam no Departamento do Ain no período conturbado que sucedeu à Revolução Francesa. Explicamos os cargos importantes dos ascendentes de Jeanne Louise, que conheciam oficiais do exército onde Jean-Baptiste Antoine era Juiz militar, e onde, em 1797, oficiava Napoleão Bonaparte, que se coroou Imperador da França em 1804.

Pelos arquivos do estado civil digitalizados e disponíveis na Internet, pode-se estabelecer a arvore genealógica seguinte:

Mostramos que o pai de Jeanne-Louise, Benoît Marie Duhamel, foi preso e guilhotinado em Lyon em 16 de março de 1794, e que o jovem esposo foi preso em 21 de fevereiro de 1794 (um ano após o casamento), mas foi liberto dois meses depois. Transcrevemos também as certidões de nascimento, em 27 de outubro de 1796 do primeiro filho do casal Rivail, Auguste Claude Joseph François, e em 1 de agosto de 1799, da filha, Marie Françoise Charlotte Éloïse, que faleceu em 14 de outubro de 1801, o irmão falecendo em 27 de dezembro de 1802. Foram provas difíceis, mas em 3 de outubro de 1804 nasceu Hypolite Léon Denizard para alegrar a família.

Em 2019, descobrimos que em 19 de junho de 1806 nasceu em Lyon uma outra irmã, Isaure, sob assistência do mesmo Dr Rodamel. Ainda não descobrimos onde e quando Isaure faleceu, mas Hypolite era filho único em 1832, quando se casou com Amélie Boudet.

Na certidão de nascimento de Isaure, consta que o pai, Jean-Baptiste Antoine, ainda era homem de lei (advogado), mas que morava em Belvès, na Dordonha. Mostramos no artigo anterior que ele tinha desaparecido, “provavelmente morto na Espanha” por volta de 1807, quando Hypolite tinha 2 ou 3 anos, poucos meses depois do nascimento de Isaure. “Viúva”, Jeanne Louise morava em Saint-Denis-les-Bourg, onde Hypolite passou a 1ª infância junto à mãe Charlotte e ao tio François, até se mudarem para Paris por volta de 1822. Com esta nova informação, e com a ajuda de pesquisadores católicos, descobrimos que, na realidade, Jean-Baptiste Antoine Rivail faleceu na cidade de Périgueux, na Dordonha, em 26 de junho de 1834:

Qual seria a motivação do pai de se fazer passar por desaparecido e abandonar sua família? Os primeiros elementos que conseguimos nos arquivos da Dordonha mostram que ele morreu pobre, e que todos seus bens e rendas tinham ficado com uma Sra Lavaure, viuva Trémoulet de Leyssale, morando na Dordonha. Outro fato é que Hypolite visitou sua tia Reine Mathevot em Lyon e Aix les Bains em agosto de 1834, dois meses depois do falecimento do pai, mas nenhuma das cartas enviadas para Amélie durante aquela visita menciona Jean-Baptiste Antoine: sua irmã, Reine, também devia ter perdido o contato. Ainda estamos procurando onde e quando Jeanne Louise desencarnou, provavelmente naquela mesma época, pouco tempo depois do casamento do filho. As pesquisas continuam nessas bases, e com certeza, encontraremos nos arquivos da Dordonha mais elementos sobre as atividades de Jean-Baptiste Antoine Rivail.

Esses elementos não tiram absolutamente nada da obra imensa realizada por Allan Kardec, com a codificação da doutrina espírita. O merecimento dele é tanto maior que, desde pequeno, não pude contar com a educação do pai: Espíritos deste grau de evolução conseguem vencer essas dificuldades naturais da vida. Serve de exemplo para os trabalhadores espíritas atuais!

* Charles Kempf é presidente da Federação Espírita Francesa e ex-secretário geral do Conselho Espírita Internacional.

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