Eulália Bueno*

A Capela dos Ossos situada em Évora, Portugal, foi construída entre os anos de 1845 a 1848 pelo pároco Antônio da Ascenção Delvos, com esqueletos de cinco mil pessoas, de todas as classes sociais, a fim de promover uma profunda reflexão ao povo da época, que atinge os nossos dias sem que tenha sido absorvida a contento. Para coroar essa obra, por muitos considerada tétrica, mas que reúne em si um sério chamamento para o que temos feito de nossa vida, tem sobre seu pórtico de acesso o seguinte epígrafe: “Nós ossos que aqui estamos pelos vossos esperamos.” E conta ainda com um poema de autoria do referido sacerdote, cujas estrofes nos incitam a incomparáveis considerações. Diz ele:
Aonde vais caminhante acelerado?
Para… não prossigas mais avante:
Negócio não terás mais importante
Do que este à tua vista apresentado
Recorda quantos desta vida tem passado
Reflete em que terás fim semelhante
Que para meditar é causa o bastante
Terem todos os mais, nisto parado.
Pondera que influído dessa sorte
Entre negociações do mundo tantas
Tão pouco consideras a da morte
Porém se os teus olhos aqui te levantas
Para, porque em negócio deste porte
Quanto mais tu parares, mais adiantas.
O sábio sacerdote, àquela época, já nos convocava a avaliar as condições em que estabelecíamos os parâmetros de nossa existência. Ele é mais um que chamava a atenção para a imortalidade da alma, contemporâneo das irmãs Fox, que despertaram o interesse sobre o fenômeno mediúnico e do próprio Kardec, cuja missão era inaugurar novos horizontes para a Terra, através da compilação do Espiritismo.
Aqueles que o veem simplesmente como um portal para a vida após a morte, não o conhecem o suficiente a fim de torná-lo um indispensável manual de conduta à evolução espiritual, afinal de contas, somos espíritos imortais carregando conosco a maior de todas as fatalidades: evoluir continuamente.
Recorrendo à Revista espírita, outubro de 1866 algumas considerações que não podem ser ignoradas para a plena compreensão do que representa o Espiritismo para a regeneração da humanidade:
“Quem quer que haja meditado sobre o Espiritismo e suas consequências, compreende que que ele abre à humanidade uma nova via e lhe desenrola os horizontes do infinito. Iniciando-os aos mistérios do mundo invisível, mostra-lhes deu verdadeiro papel na criação, papel perpetuamente ativo, tanto no estado espiritual quanto no estado corporal. O homem já não marcha como cego: sabe de onde vem, para onde vai e porque está na Terra… Sabe que o seu ser não está limitado a alguns instantes de uma existência; que a vida espiritual não é interrompida pela morte; que já viveu e reviverá ainda e que de tudo o que adquire em perfeição, pelo trabalho nada fica perdido; encontra nas existências anteriores a razão e do que hoje a si faz, pode concluir o que será um dia.”
Integrando as duas mensagens, uma de um pároco e outra de Kardec sob a direção do Espírito da Verdade, a mesma observação do ínfimo instante de uma existência e a necessidade de se avaliar como ser imortal que precisa, acima de tudo, perquirir quais são as finalidades da reencarnação. Alerta que não há neste mundo nada tão importante quanto cuidar do que vem após a morte, porque no túmulo todos, fisicamente falando, nos igualamos de tal maneira que se torna impossível, à vista dos ossos, estabelecer a identidade que mantivemos momentaneamente. Quem são os nobres e os pobres?
O Espiritismo, de forma irrefutável, nos apresenta, à luz da lógica, a solução para os questionamentos mais básicos da alma e que fazem a diferença perante o valor que damos à própria vida.
Em “O livro dos médiuns” em seu capítulo I, Kardec nos conduz a um raciocínio coerente, numa sequência de três perguntas: Credes em Deus? Credes que tendes uma alma? Credes na sobrevivência da alma após a morte? E a partir das respostas nos oferece o leme seguro para a condução do barco da existência. Será que já refletimos a amplitude que nos oferece ao pensamento a certeza da perpetuidade do ser espiritual ? Se não tivéssemos ultrapassado os limites da vida material, qual seria para nós, neste momento, o significado da terrível pandemia que assola as nações, que como os ossos da Capela, se tornam iguais uns aos outros, porque o mal arrebata a vida de pobres e ricos, ignorantes e doutos, adoradores de todas as crenças, cidadãos de todas as raças, aferindo nossos valores para dar uma maior ressignificação à nossa estrada.
“Somos convocados à fraternidade, que o Espiritismo nos coloca como sinônimo da caridade pregada pelo Cristo. Do sentimento de fraternidade nasce o da reciprocidade e dos deveres sociais de homem a homem, de povo a povo, de raça a raça.”
Em O livro dos espíritos em resposta à questão 913, os Espíritos confirmam que o egoísmo é a maior chaga da humanidade, pois é incompatível com a justiça, o amor e a caridade. É sentimento relativo à nossa própria inferioridade e sucedem-se os clamores enviados pelos benfeitores do planeta, convocando-nos a uma atitude diferenciada no trato com nossos semelhantes.
Precisávamos de um freio que estancasse a investida tresloucada na busca de valores materiais que nada nos acrescentarão, à mudança de hábitos verdadeiramente degradantes nos costumes do Homem que atingiu patamares invejáveis de inteligência, sem dar a mesma importância às conquistas morais.
Vínhamos desprezando a benção que representa uma família, que segundo Emmanuel, no livro Vida e sexo é a mais importante de todas as instituições da Terra no que toca ao processo reeducativo do Espírito.
O Espiritismo, ainda na Revista espírita, no número citado anteriormente, “coloca-se como o campeão absoluto da liberdade de consciência; combate o fanatismo sob todas as formas e o corta pela raiz, proclamando a salvação para todos os homens de bem e a possibilidade, para os mais imperfeitos de, pelos próprios esforços, pela expiação e pela reparação, chegar à perfeição que só ela conduz à suprema felicidade. Em vez de desencorajar o fraco, encoraja-o, mostrando-lhe o fim que pode atingir. Não diz fora do Espiritismo não há salvação, mas afirma incontestável que “Não há fé inabalável senão a que pode olhar a razão face a face em todas as idades da humanidade”, destrói o império da fé cega, aniquila a razão da obediência passiva que embrutece; emancipa a inteligência do homem e levanta a sua moral.”
E finalizando, ainda com Kardec: “Espíritas, o futuro é vosso e de todos os homens de coração e devotamento. Não temais os obstáculos, pois nenhum poderá entravar os desígnios da Providência. Trabalhai sem desanimar e agradecei a Deus por vos haver colocado na vanguarda da nova falange, É posto de honra que vós mesmos pedistes, e do qual vos deveis tornar dignos pela vossa coragem, perseverança e devotamento.”
É uma honra, realmente, ser Espírita!
* Eulália Bueno é escritora e palestrante espírita.