A incoerência doutrinária das técnicas no passe – Projeto Valorizar Kardec – VI

Alexandre Fontes da Fonseca*

A 6ª questão do nosso projeto é sobre o passe: as técnicas empregadas no passe têm base doutrinária? SIM (  ) NÃO ( X ). Por “técnicas empregadas no passe”, estamos nos referindo a todo e qualquer procedimento de natureza exterior de posicionamento e movimentos de mãos, pernas ou de outras partes do corpo, sejam do passista, sejam do assistido. Infelizmente, não há base doutrinária que dê suporte a movimentos ou técnicas do passe.

Embora a possível estranheza do leitor, isso não é novidade. Herculano Pires, em sua obra Obsessão, o passe, a doutrinação, já houvera dito isso. Nesta matéria, para compreender a incoerência doutrinária do uso de técnicas no passe, vamos analisar 3 coisas: i) o significado de “ter base doutrinária”; ii) a principal razão para concluirmos que nenhuma técnica do passe tem base doutrinária; e iii) as afirmativas de Herculano Pires em apoio a essa conclusão.

Nos próximos números da revista Dirigente Espírita, analisaremos, sob à luz da Doutrina Espírita, a incoerência doutrinária de alguns tipos específicos de técnicas do passe como fechar ou abrir as mãos em determinados momentos  do passe, a velocidade e direção de movimentos do tipo longitudinal, etc.

Uma coisa é dita “ter base doutrinária” quando se pode aplicá-la com os conceitos fundamentais da Doutrina Espírita. Isso é diferente de “estar escrito nas obras de Kardec”. Por exemplo, as palavras “castigo” e “punição” estão escritas em mais de uma obra de Kardec. Mas o fato de estarem escritas nas obras de Kardec, não as tornam conceitos espíritas ou corretos. Quando se estuda a expiação, por exemplo, entendemos que ela significa  um processo de (re)educação moral, e não de punição ou castigo. Que o sofrimento proporcionado por uma expiação é uma forma de despertar o Espírito para o bem, e não punição ou castigo pelo mal praticado. Assim, o conceito de expiação tem base doutrinária, mas o de castigo ou punição não tem base doutrinária. Isso é importante porque as técnicas ensinadas em vários cursos de passe não têm base doutrinária, embora encontremos nas obras de Kardec comentários em favor da antiga ciência do Magnetismo, que as propõe.

A principal razão para que técnicas de passe não tenham nenhuma base doutrinária decorre da definição  simples  de  passe (uma doação ou troca de fluidos) e da forma como a Doutrina ensina sobre como os fluidos “funcionam”. Do item 14 do capítulo XIV de A Gênese (GE) temos:

“14. Os Espíritos agem sobre os fluidos espirituais,  não   os   manipulando  como  os homens manipulam os gases, mas com a ajuda do pensamento e da vontade.” (Grifos em negrito, meus).

Segundo a Doutrina Espírita, é somente pela ação do pensamento e da vontade que os Espíritos conseguem manipular os fluidos, modificar as qualidades do fluido cósmico universal e imprimir neles “esta ou aquela direção” (item 14, cap. XIV da GE). Kardec mostra que as qualidades dos fluidos dependem das qualidades do pensamento que age sobre eles (item 15, cap. XIV da  GE).  Nem mesmo a simples imposição de mãos é necessária, embora seja aceitável por ser um gesto simples. Pensemos: de outro modo, uma pessoa sem as mãos ou sem os braços não poderia aplicar passes? Não poderia usar nenhuma técnica do passe, mas consegue imprimir qualidades aos fluidos e direcioná-los a qualquer pessoa que esteja necessitada. A Doutrina Espírita, portanto, não fornece bases para o uso de gestos e o uso da imposição simples das mãos ou mesmo menos que isso, decorre apenas do bom senso. Mesmo a imposição simples das mãos não terá nenhum efeito se não estiver acompanhada de pensamentos elevados e de um forte e ardente desejo de ajudar o irmão necessitado.

Quem usa técnicas do passe está prejudicando alguém? Não. Mas o que a Doutrina diz é que quem usa técnicas do passe, mas mantém pensamentos elevados e um forte e ardente desejo de ajudar o próximo, aplicará um passe tão bom quanto aquele que não usa nenhuma técnica, mas igualmente mantém os mesmos pensamentos.

Por fim, vejamos o que Herculano Pires pensa sobre o passe:

“O passe espírita é simplesmente a imposição das mãos, usada e ensinada por Jesus como se vê nos Evangelhos.”

“O passe espírita não comporta as encenações e gesticulações em que hoje o envolveram alguns teóricos improvisados.”

“Todo o poder e toda a eficácia do passe espírita dependem do Espírito e não da matéria, da assistência espiritual do  médium  passista  e  não dele mesmo.”

“Os passes  padronizados  e  classificados derivam de teorias e práticas mesméricas, magnéticas e hipnóticas de um passado já há muito superado. Os Espíritos realmente elevados não aprovam nem ensinam essas coisas, mas a prece e a imposição das mãos.”

“Toda a beleza espiritual do passe espírita, que provém da fé racional no poder espiritual, desaparece ante as ginásticas pretensiosas e ridículas gesticulações.”

“O passe espírita é prece, concentração e doação. Quem reconhece que não pode dar de si mesmo, suplica a doação dos Espíritos.

As afirmações acima estão em total sintonia com o que Kardec ensina no capítulo XIV da GE, isto é, elas têm base doutrinária. Não foi à toa que Herculano foi considerado por Emmanuel “o metro que melhor mediu Kardec”.

A próxima questão, em prosseguimento ao nosso estudo sobre o passe, segundo o Espiritismo, é sobre o movimento longitudinal e/ou transversal seja para infundir fluidos ou dispersar fluidos no assistido. Isso têm base doutrinária? Sim ou não ?.

Não perca a resposta na próxima edição do Dirigente Espírita, Se desejar tirar dúvidas ou sugerir temas para analisar, escreva para a USE (dirigenteespirita@usesp.org.br).

Bibliografia

PIRES, J. H. 2009. Obsessão, o passe, a doutrinação, Editora Paidéia, 10ª edição, São Paulo, SP.

KARDEC, A. 1996. O livro dos médiuns. Editora FEB, 96ª edição, Rio de Janeiro, RJ.

* Alexandre Fontes da Fonseca é físico e professor da Unicamp, escritor e palestrante espírita.

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